I
E estando em viagem dentro da grande viagem foi que foi
possível perceber que eu tinha saudades de muitas das coisas que haviam ficado
para trás. Coisas, portanto, que minha memória se encarregava de trazer para
frente, deixando-me com a dúvida de saber se eu estava apto ou não a seguir
adiante. - O que mesmo eu deveria fazer para ir para frente sem saber se aquilo
que eu procurava estava, de fato, à frente? Uma coisa era certa: se para trás
eu precisasse andar, meu corpo logo se alegraria, mas, daí me assaltou logo um
dilema: é ao meu corpo que devo atender ou devo atender aos mais nobres
sentimentos e desejos da alma? A questão não era nova e eu já a conhecia por
ensinamentos de muitos homens e mulheres que entendiam em profundo as
dificuldades da alma na busca da beatitude. Pronto, isto já me fazia um ser
menor. Meu drama era tão velho quanto a história dos semideuses e, em seguida,
dos homens que haviam encontrado Deus por vias extremamente dolorosas. - Por
que deveria eu repetir epopéia em campos já tão minados por obviedades e
fracassos? Talvez por causa da vitória já narrada por alguns, pensei. Ou seria
pelo heroísmo desmedido que é capaz, dizem, de preencher as grandes lacunas da
alma, promovidas pela culpa, pelo arrependimento e pelos traumas. Veio-me à
mente a metáfora bíblica: quem põe a mão no arado e olha pra trás não é digno
de ser meu discípulo. Infelizmente, porém, a confusão só fez aumentar, afinal,
eu ainda não havia posto a mão no arado. Ou havia? Lembrei no rastro de uma das
minhas mestras, de o quanto faz falta um confessor muito bem letrado. Talvez a
saída, então, seria procurar o meu analista.
II
Absurdo. O homem Absurdo o é
porque reconhece as maravilhas da vida a partir de sua própria condição. Não há
saída, mas, a vida é espetacular e feita para ser vivida. Vale por ela mesma
ainda que ao final nos remeta sempre a nós mesmos com a famosa pergunta do
Drummond: e agora José? “Vida, vida, vida e mais nada” disse-me certa vez numa
canção apenas para experimentar se era verdade a esperança cética de Camus.
Bingo. Que felicidade! Quando a terminei veio-me a lembrança de um amor não
consumado e já impossível de sê-lo. Impossível, gritei. Sim, impossível! Ouvi
de uma voz superior que, para consolar-me, explicou de outra ótica que apenas o
fato de ter sido amor, consumado já nascera. Então percebi que havia voltado
para mim mesmo. Tudo “da capo”. Meu Deus será sempre assim, tudo “da capo”? O
filósofo ao dizer que “o homem é a medida de todas as coisas” o fez de maneira
tão clara que o ofuscou ao ponto de deixá-lo sem saber o que fazer com tanta
liberdade e poder, porque, afinal, deu-lhe a condição de criador, colocando-o
na condição absoluta da solidão e quanto a isto, o filósofo que me perdoe:
precisa ser muito homem pra ser Deus, a medida de todas as coisas. Retomei a
estrada, porém, uma coisa eu não consegui responder: volto ou não volto para ir
para frente? E se não volto há como para frente ir? Mirei bem na cara de um
Cristo Crucificado que me sussurrou: meu Deus, meus, Deus, por que me
abandonaste?! E a felicidade, Senhor, e a felicidade, Senhor, Senhor... . Tal
como o homem de Protágoras eu não percebera que estava em minhas mãos. E agora,
José?