quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A SOLIDÃO

I

E estando em viagem dentro da grande viagem foi que foi possível perceber que eu tinha saudades de muitas das coisas que haviam ficado para trás. Coisas, portanto, que minha memória se encarregava de trazer para frente, deixando-me com a dúvida de saber se eu estava apto ou não a seguir adiante. - O que mesmo eu deveria fazer para ir para frente sem saber se aquilo que eu procurava estava, de fato, à frente? Uma coisa era certa: se para trás eu precisasse andar, meu corpo logo se alegraria, mas, daí me assaltou logo um dilema: é ao meu corpo que devo atender ou devo atender aos mais nobres sentimentos e desejos da alma? A questão não era nova e eu já a conhecia por ensinamentos de muitos homens e mulheres que entendiam em profundo as dificuldades da alma na busca da beatitude. Pronto, isto já me fazia um ser menor. Meu drama era tão velho quanto a história dos semideuses e, em seguida, dos homens que haviam encontrado Deus por vias extremamente dolorosas. - Por que deveria eu repetir epopéia em campos já tão minados por obviedades e fracassos? Talvez por causa da vitória já narrada por alguns, pensei. Ou seria pelo heroísmo desmedido que é capaz, dizem, de preencher as grandes lacunas da alma, promovidas pela culpa, pelo arrependimento e pelos traumas. Veio-me à mente a metáfora bíblica: quem põe a mão no arado e olha pra trás não é digno de ser meu discípulo. Infelizmente, porém, a confusão só fez aumentar, afinal, eu ainda não havia posto a mão no arado. Ou havia? Lembrei no rastro de uma das minhas mestras, de o quanto faz falta um confessor muito bem letrado. Talvez a saída, então, seria procurar o meu analista.

II

Absurdo. O homem Absurdo o é porque reconhece as maravilhas da vida a partir de sua própria condição. Não há saída, mas, a vida é espetacular e feita para ser vivida. Vale por ela mesma ainda que ao final nos remeta sempre a nós mesmos com a famosa pergunta do Drummond: e agora José? “Vida, vida, vida e mais nada” disse-me certa vez numa canção apenas para experimentar se era verdade a esperança cética de Camus. Bingo. Que felicidade! Quando a terminei veio-me a lembrança de um amor não consumado e já impossível de sê-lo. Impossível, gritei. Sim, impossível! Ouvi de uma voz superior que, para consolar-me, explicou de outra ótica que apenas o fato de ter sido amor, consumado já nascera. Então percebi que havia voltado para mim mesmo. Tudo “da capo”. Meu Deus será sempre assim, tudo “da capo”? O filósofo ao dizer que “o homem é a medida de todas as coisas” o fez de maneira tão clara que o ofuscou ao ponto de deixá-lo sem saber o que fazer com tanta liberdade e poder, porque, afinal, deu-lhe a condição de criador, colocando-o na condição absoluta da solidão e quanto a isto, o filósofo que me perdoe: precisa ser muito homem pra ser Deus, a medida de todas as coisas. Retomei a estrada, porém, uma coisa eu não consegui responder: volto ou não volto para ir para frente? E se não volto há como para frente ir? Mirei bem na cara de um Cristo Crucificado que me sussurrou: meu Deus, meus, Deus, por que me abandonaste?! E a felicidade, Senhor, e a felicidade, Senhor, Senhor... . Tal como o homem de Protágoras eu não percebera que estava em minhas mãos. E agora, José?

quinta-feira, 29 de novembro de 2012




O OUTRO

I

Não posso negar que quando leio em Touraine que “somente o desaparecimento do que se chama sociedade ou de ordem social permite a combinação conflitual, mas, necessária de uma vida social sempre mais reduzida a processos de mudança com um princípio de igualdade que não se apóia mais na fraternidade entre as criaturas de Deus, na razão, na realidade do espírito na história ou no interesse geral do corpo social, mas no único direito de cada indivíduo de combinar livremente sua participação no universo instrumental com a manutenção, a reintegração e reconstrução permanente de sua identidade pessoal e coletiva” eu fico, não somente um pouco atônito, mas, verdadeiramente em pânico porque aquilo que parece estar se colocando em questão são vários dos fundamentos essenciais de nossa forma de conceber o mundo. Em primeiro legar o problema de que trata o próprio Touraine que é a relação conflitual entre IGUALDADE E DIFERENÇA, mas, também, o problema da relação COMUNIDADE E INDIVÍDUO, o problema do SUJEITO COLETIVO e do SUJEITO INDIVIDUALIZADO, aquele da IDENTIDADE e da HOMOGENEIDADE e, até mesmo, a idéia do MODELO TRINITÁRIO introduzido na história pelo Cristianismo com a colaboração decisiva de São Irineu, mas, respaldado em algumas idéias gregas como aquela da KENOSIS. Embora o santo, como registra Borges, não fosse muito simpático aos filósofos e a estes tenha devolvido com suas próprias armas o problema essencial do TEMPO tal como posto em Platão. O que, aliás, acabou consolidando a idéia de ETERNIDADE.


II

 Apenas para reforçar: o princípio de igualdade não se apóia mais na FRATERNIDADE entre as CRIATURAS DE DEUS, na RAZÃO, na REALIDADE DO ESPÍRITO NA HISTÓRIA ou NO INTERESSE GERAL DO CORPO SOCIAL, mas no ÚNICO DIREITO DE CADA INDIVÍDUO de combinar LIVREMENTE sua PARTICIPAÇÃO NO UNIVERSO INSTRUMENTAL COM A MANUTENÇÃO, A REINTEGRAÇÃO E RECONSTRUÇÃO PERMANENTE DE SUA IDENTIDADE PESSOAL E COLETIVA.
Logo, é o INDIVIDUO a Pedra Fundante do novo arranjo social que surge. Não é o COLETIVO que desaparece, mas, o que surge é um novo FUNDAMENTO para o SOCIAL. Assim, os anéis que se vão são os antigos PRINCÍPIOS SUPERIORES que regulavam ou pretendiam regular a igualdade entre os diferentes. Como será possível uma vida assim, (?) me pergunto como representante de uma sociedade que aprendeu a viver sob o direcionamento das ideologias, absolutistas, democráticas ou libertárias? Ou talvez a sociedade esteja como a Ostra em estado de produção de uma Nova Pérola? Por enquanto acho que vale a pena dar-nos as mãos e caminhar juntos em direção, sabe Deus, de onde. Talvez fosse bom, também, exercitarmos uma relação cujo fundamento seja o reconhecimento do outro como condição da minha realização humana.

terça-feira, 20 de novembro de 2012


RAZÃO DA DOUTORA TEREZA.

I

Duas passagens do “Livro da Vida” de Tereza de Ávila me dão de pensar freqüentemente: a primeira quando fala da decisão de “tomar o hábito” e a segunda quando fala das “grandes doenças”. Ambas me fazem pensar em nosso tempo e, sobretudo, na dificuldade que temos de acolher a leitura e os estudos como indispensáveis para uma vida condizente com os desafios da modernidade. Lembro que a Santa nasceu em 1515 e que, em seu caso, aquilo que estava em jogo era o desejo de aplainar seu caminho para a “santidade”. Dá-me de pensar, porém, porque alguns pensadores contemporâneos já iniciaram a falar de “Santidade Civil” e, parece que o tema da leitura, dos estudos, da importância da cultura para a construção de nossa individuação e de uma coletividade embasada na identidade do sujeito volta com vigor. Este, aliás, é um tema recorrente em toda a história do humanismo e que está posto, portanto, desde a antiguidade. A importância da PALAVRA, afinal, vem desde a antiguidade, quando da descoberta da escrita, passando pela Grécia, Roma e se Revela em Plenitude, segundo o Cristianismo, quando da vinda de Jesus e das primeiras Comunidades Cristãs, mas, se consolida como conquista civilizatória quando da Revolução Renascentista e do Iluminismo.

II

Tereza de Ávila tinha a sua frente o horizonte da santificação e dizia que às pessoas que não tem o talento para discorrer com o entendimento, nem para se beneficiar com a imaginação, é “possível chegar mais rápido à contemplação”, “se perseveram”, advertia, e acrescentava dizendo, porém, que é “mais trabalhoso e penoso” porque a estes “convém maior pureza de consciência do que as que podem trabalhar com o entendimento”. – Pré anunciando o valor da razão e dando a esta status de instrumento de aperfeiçoamento humano ela diz a propósito daqueles que podem trabalhar com o entendimento: “Porque quem pensa no que é o mundo e no que deve a Deus, e no muito que Ele sofreu e o pouco que lhe serve e o que Ele dá a quem o ama, tira doutrina para defender-se dos pensamentos e das ocasiões de pecado e perigos”. O entendimento é, assim, em Tereza, instrumento de afirmação da busca do encontro com o eu mais profundo e não com o superego que se manifesta na consciência humana. Ficará sempre para Tereza como ela diz: “vi por experiência que é melhor – sendo virtuosos e de hábitos santos – não ter nenhum estudo”, mas, é mais trabalhoso e penoso, (pobre Tereza, Santa e Doutora da Igreja) mas preferia como disse, aliás, de letra própria, aos letrados mesmo para confessar porque “sempre fui muito amiga das letras, ainda que grandes danos me tenham causado confessores semiletrados. Porque não os tinha tão letrados como gostaria”. Benza a Deus! 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

NEGAR-SE À OMISSÃO!


I
Este, talvez, seja um dos grandes desafios dos nossos tempos: acreditar que ainda é possível fazer alguma coisa no confronto com a banalização da vida e a hegemonia da bizarrice. Em outras palavras: crer que ainda é possível buscar e, sobretudo, encontrar caminhos que possam nos retirar, por um lado, da fuga ilusória que são os ritos catárticos que dominam as massas de hoje e, por outro, o tédio mortal da modernidade, como já disseram alguns, e que domina alguns saudosistas de um tempo. Nada, porém, como querer acabar com a festa e a explosão do "non sense" a que todas as juventudes têm o direito. Apenas insistir para a realidade de que a vida não se reduz a isto. Luz demais obscurece, já se disse. Mas ignorância demais não traz luz alguma. Nos faria bem "jogar" (to play) a história mesmo sabendo que não a fazemos, fazendo-a.

II
Ouvi recentemente explanação sobre a Crise da Racionalidade Científica em decorrência do fato de este tipo de conhecimento não nos ter resolvido o problema das desigualdades sociais e nem aqueles provenientes das insatisfações mais profundas do ser humano. Dizia o nobre conferencista: daí explicar-se o retorno do interesse pelas religiões e o pensamento mágico. Fiquei pensando: mas do que ele está falando? Na Europa não há um mínimo sinal de retorno ao Pensamento Mágico. Este, continua, isto sim, a predominar onde ainda não se consolidou a Racionalidade Científica e o chamado Processo de Secularização que avança sobre o mundo e continua a exigir que as Grandes Religiões promovam, com urgência, uma séria e profunda re-significação dos seus valores básicos. Caso contrário, adeus ba-bau, só  mesmo esperando que a boa vontade de Zéfiro faça-o soprar ventos novos sobre a humanidade. Ou que tenhamos o sagrado atrevimento de acreditar que Zéfiro aguarda a nossa iniciativa e restauremos a SABEDORIA.