quinta-feira, 29 de novembro de 2012




O OUTRO

I

Não posso negar que quando leio em Touraine que “somente o desaparecimento do que se chama sociedade ou de ordem social permite a combinação conflitual, mas, necessária de uma vida social sempre mais reduzida a processos de mudança com um princípio de igualdade que não se apóia mais na fraternidade entre as criaturas de Deus, na razão, na realidade do espírito na história ou no interesse geral do corpo social, mas no único direito de cada indivíduo de combinar livremente sua participação no universo instrumental com a manutenção, a reintegração e reconstrução permanente de sua identidade pessoal e coletiva” eu fico, não somente um pouco atônito, mas, verdadeiramente em pânico porque aquilo que parece estar se colocando em questão são vários dos fundamentos essenciais de nossa forma de conceber o mundo. Em primeiro legar o problema de que trata o próprio Touraine que é a relação conflitual entre IGUALDADE E DIFERENÇA, mas, também, o problema da relação COMUNIDADE E INDIVÍDUO, o problema do SUJEITO COLETIVO e do SUJEITO INDIVIDUALIZADO, aquele da IDENTIDADE e da HOMOGENEIDADE e, até mesmo, a idéia do MODELO TRINITÁRIO introduzido na história pelo Cristianismo com a colaboração decisiva de São Irineu, mas, respaldado em algumas idéias gregas como aquela da KENOSIS. Embora o santo, como registra Borges, não fosse muito simpático aos filósofos e a estes tenha devolvido com suas próprias armas o problema essencial do TEMPO tal como posto em Platão. O que, aliás, acabou consolidando a idéia de ETERNIDADE.


II

 Apenas para reforçar: o princípio de igualdade não se apóia mais na FRATERNIDADE entre as CRIATURAS DE DEUS, na RAZÃO, na REALIDADE DO ESPÍRITO NA HISTÓRIA ou NO INTERESSE GERAL DO CORPO SOCIAL, mas no ÚNICO DIREITO DE CADA INDIVÍDUO de combinar LIVREMENTE sua PARTICIPAÇÃO NO UNIVERSO INSTRUMENTAL COM A MANUTENÇÃO, A REINTEGRAÇÃO E RECONSTRUÇÃO PERMANENTE DE SUA IDENTIDADE PESSOAL E COLETIVA.
Logo, é o INDIVIDUO a Pedra Fundante do novo arranjo social que surge. Não é o COLETIVO que desaparece, mas, o que surge é um novo FUNDAMENTO para o SOCIAL. Assim, os anéis que se vão são os antigos PRINCÍPIOS SUPERIORES que regulavam ou pretendiam regular a igualdade entre os diferentes. Como será possível uma vida assim, (?) me pergunto como representante de uma sociedade que aprendeu a viver sob o direcionamento das ideologias, absolutistas, democráticas ou libertárias? Ou talvez a sociedade esteja como a Ostra em estado de produção de uma Nova Pérola? Por enquanto acho que vale a pena dar-nos as mãos e caminhar juntos em direção, sabe Deus, de onde. Talvez fosse bom, também, exercitarmos uma relação cujo fundamento seja o reconhecimento do outro como condição da minha realização humana.

terça-feira, 20 de novembro de 2012


RAZÃO DA DOUTORA TEREZA.

I

Duas passagens do “Livro da Vida” de Tereza de Ávila me dão de pensar freqüentemente: a primeira quando fala da decisão de “tomar o hábito” e a segunda quando fala das “grandes doenças”. Ambas me fazem pensar em nosso tempo e, sobretudo, na dificuldade que temos de acolher a leitura e os estudos como indispensáveis para uma vida condizente com os desafios da modernidade. Lembro que a Santa nasceu em 1515 e que, em seu caso, aquilo que estava em jogo era o desejo de aplainar seu caminho para a “santidade”. Dá-me de pensar, porém, porque alguns pensadores contemporâneos já iniciaram a falar de “Santidade Civil” e, parece que o tema da leitura, dos estudos, da importância da cultura para a construção de nossa individuação e de uma coletividade embasada na identidade do sujeito volta com vigor. Este, aliás, é um tema recorrente em toda a história do humanismo e que está posto, portanto, desde a antiguidade. A importância da PALAVRA, afinal, vem desde a antiguidade, quando da descoberta da escrita, passando pela Grécia, Roma e se Revela em Plenitude, segundo o Cristianismo, quando da vinda de Jesus e das primeiras Comunidades Cristãs, mas, se consolida como conquista civilizatória quando da Revolução Renascentista e do Iluminismo.

II

Tereza de Ávila tinha a sua frente o horizonte da santificação e dizia que às pessoas que não tem o talento para discorrer com o entendimento, nem para se beneficiar com a imaginação, é “possível chegar mais rápido à contemplação”, “se perseveram”, advertia, e acrescentava dizendo, porém, que é “mais trabalhoso e penoso” porque a estes “convém maior pureza de consciência do que as que podem trabalhar com o entendimento”. – Pré anunciando o valor da razão e dando a esta status de instrumento de aperfeiçoamento humano ela diz a propósito daqueles que podem trabalhar com o entendimento: “Porque quem pensa no que é o mundo e no que deve a Deus, e no muito que Ele sofreu e o pouco que lhe serve e o que Ele dá a quem o ama, tira doutrina para defender-se dos pensamentos e das ocasiões de pecado e perigos”. O entendimento é, assim, em Tereza, instrumento de afirmação da busca do encontro com o eu mais profundo e não com o superego que se manifesta na consciência humana. Ficará sempre para Tereza como ela diz: “vi por experiência que é melhor – sendo virtuosos e de hábitos santos – não ter nenhum estudo”, mas, é mais trabalhoso e penoso, (pobre Tereza, Santa e Doutora da Igreja) mas preferia como disse, aliás, de letra própria, aos letrados mesmo para confessar porque “sempre fui muito amiga das letras, ainda que grandes danos me tenham causado confessores semiletrados. Porque não os tinha tão letrados como gostaria”. Benza a Deus!