O OUTRO
I
Não posso negar que quando
leio em Touraine que “somente o desaparecimento do que se chama
sociedade ou de ordem social permite a combinação conflitual, mas, necessária
de uma vida social sempre mais reduzida a processos de mudança com um princípio
de igualdade que não se apóia mais na fraternidade entre as criaturas de Deus,
na razão, na realidade do espírito na história ou no interesse geral do corpo
social, mas no único direito de cada indivíduo de combinar livremente sua
participação no universo instrumental com a manutenção, a reintegração e
reconstrução permanente de sua identidade pessoal e coletiva” eu
fico, não somente um pouco atônito, mas, verdadeiramente em pânico porque
aquilo que parece estar se colocando em questão são vários dos fundamentos
essenciais de nossa forma de conceber o mundo. Em primeiro legar o problema de
que trata o próprio Touraine que é a relação conflitual entre IGUALDADE E
DIFERENÇA, mas, também, o problema da relação COMUNIDADE E INDIVÍDUO, o
problema do SUJEITO COLETIVO e do SUJEITO INDIVIDUALIZADO, aquele da IDENTIDADE
e da HOMOGENEIDADE e, até mesmo, a idéia do MODELO TRINITÁRIO introduzido na
história pelo Cristianismo com a colaboração decisiva de São Irineu, mas,
respaldado em algumas idéias gregas como aquela da KENOSIS. Embora o santo,
como registra Borges, não fosse muito simpático aos filósofos e a estes tenha
devolvido com suas próprias armas o problema essencial do TEMPO tal como posto
em Platão. O que, aliás, acabou consolidando a idéia de ETERNIDADE.
II
Apenas para reforçar: o princípio de igualdade
não se apóia mais na FRATERNIDADE entre as CRIATURAS DE DEUS, na RAZÃO, na REALIDADE
DO ESPÍRITO NA HISTÓRIA ou NO INTERESSE GERAL DO CORPO SOCIAL, mas no ÚNICO
DIREITO DE CADA INDIVÍDUO de combinar LIVREMENTE sua PARTICIPAÇÃO NO UNIVERSO
INSTRUMENTAL COM A MANUTENÇÃO, A REINTEGRAÇÃO E RECONSTRUÇÃO PERMANENTE DE SUA
IDENTIDADE PESSOAL E COLETIVA.
Logo, é o INDIVIDUO a Pedra Fundante
do novo arranjo social que surge. Não é o COLETIVO que desaparece, mas, o que
surge é um novo FUNDAMENTO para o SOCIAL. Assim, os anéis que se vão são os
antigos PRINCÍPIOS SUPERIORES que regulavam ou pretendiam regular a igualdade
entre os diferentes. Como será possível uma vida assim, (?) me pergunto como
representante de uma sociedade que aprendeu a viver sob o direcionamento das
ideologias, absolutistas, democráticas ou libertárias? Ou talvez a sociedade
esteja como a Ostra em estado de produção de uma Nova Pérola? Por enquanto acho
que vale a pena dar-nos as mãos e caminhar juntos em direção, sabe Deus, de
onde. Talvez fosse bom, também, exercitarmos uma relação cujo fundamento seja o
reconhecimento do outro como condição da minha realização humana.